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Coronavírus: Medicamento para tratar artrite reumatoide se mostra eficaz

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Mais um medicamento já existente, usado no tratamento da artrite reumatoide, mostrou eficácia na redução dos sintomas respiratórios graves relacionados à covid-19. A droga biológica anakinra, aprovada nos Estados Unidos e na Europa — mas ainda não no Brasil —, foi associada à melhora de mais de 70% dos pacientes, em um estudo italiano, publicado na revista The Lancet Rheumatology.

Apesar do número pequeno de participantes — 29 pessoas —, a pesquisa traz uma vantagem em relação à maioria dos artigos sobre Sars-CoV-2 que têm sido publicados. Ela foi revisada por especialistas independentes, que consideraram os resultados promissores.

O estudo é o primeiro a testar a anakinra para o tratamento de covid-19. A ideia de usar um medicamento para artrite reumatoide em pacientes com a síndrome respiratória aguda causada pelo coronavírus justifica-se pelo potencial da droga de modular o sistema imunológico.

Essa doença reumatológica é autoimune — por um erro inato, o organismo passa a se autoatacar, lançando substâncias inflamatórias em excesso, o que destrói as articulações. No caso da covid-19, já é praticamente consenso que a gravidade dos sintomas está associada justamente à chamada “tempestade” de citocinas..

Estimulado pela presença do vírus, o sistema de defesa dos pacientes responde de forma exagerada, provocando a hiperinflamação das vias aéreas. Em tese, um remédio capaz de controlar essa resposta poderia ser eficaz no tratamento de covid-19.

Segurança

“Até que uma vacina esteja disponível, precisamos urgentemente encontrar uma maneira de ajudar as pessoas a sobreviver aos sintomas mais graves da covid-19, e fazê-lo sem sobrecarregar a capacidade de terapia intensiva dos hospitais”, justifica Lorenzo Dagna, imunologista do Hospital San Raffaele e Vita-Salute da Universidade San Raffaele, em Milão. Ele é um dos autores do estudo, realizado no hospital milanês. Segundo Dagna, uma das vantagens da anakinra é que, mesmo em altas dosagens, como as necessárias para combater a tempestade de citocinas nos pacientes de covid, ela não é tóxica, o que torna o uso seguro.

No estudo, todos os 29 pacientes receberam tratamento padrão (ventilação não-invasiva, hidroxicloroquina e lopinavir/ritonavir). Derivada da cloroquina, droga antimalária, a hidroxocloroquina também é indicada para artrite reumatoide e vem sendo testada em estudos clínicos desde fevereiro.

Além dessa terapia, os doentes receberam infusões intravenosas diárias com altas doses de anakinra (10mg por quilo de peso corporal). Eles foram comparados a 16 pacientes submetidos apenas ao tratamento padrão.

Com 21 dias de teste, o tratamento com altas doses de anakinra foi associado a reduções na proteína C reativa sérica (um indicativo da queda da inflamação) e a melhorias progressivas na função respiratória em 21 (72%) dos 29 pacientes. A sobrevivência foi de 90% (26 de 29). Cinco dos 29 pacientes (17%) necessitaram de ventilação mecânica.

Já no grupo dos 16 pacientes que ficaram com a terapia padrão, houve aumento progressivo da proteína C-reativa. A função respiratória melhorou para metade dos internados (oito, ou 50%) e 56% (nove dos 16) sobreviveram. Uma pessoa recebeu ventilação mecânica (6%).

Apesar de ter sido feita uma comparação entre grupos, não se trata de um estudo randomizado controlado, o padrão-ouro dos ensaios clínicos, esclarecem os autores. Os 16 pacientes que tiveram dados usados como referência foram internados antes da realização do teste com os demais 29. Por isso, são necessárias mais pesquisas clínicas, com os grupos sendo submetidos aos diferentes tratamentos ao mesmo tempo, antes de validar o resultado.

Avanço

Ainda assim, os autores comemoram o progresso dos pacientes tratados com anakinra. “Nosso estudo é o primeiro a sugerir que uma alta dose do medicamento para artrite reumatoide possa ser capaz de bloquear a reação exagerada do sistema imunológico causada pela covid-19. Os resultados são interessantes e a droga merece testes controlados em grandes ensaios randomizados”, diz um dos autores, Giulio Cavalli, da Unidade de Imunologia do San Raffaele. Ele lembra que a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é a principal causa de morte pelo novo coronavírus.

Dos pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva com covid-19 e SDRA, a taxa de mortalidade estimada varia de 28% a 78%. Como as citocinas em excesso inflamam as vias aéreas, os doentes não recebem oxigenação suficiente, tarefa que fica a cargo da ventilação mecânica. Porém, o número de pessoas que precisam de ventiladores é maior do que o de pacientes. Cavalli destaca a urgência em se descobrir um meio de normalizar a respiração, sem que o equipamento seja necessário.

Apesar de terem sido usadas altas doses do medicamento, o estudo mostrou que a opção é segura. Entre os efeitos colaterais, quatro pacientes (14%) apresentaram bacteremia (bactérias no sangue), em comparação com dois pacientes (13%) do grupo de tratamento padrão. Três internos faleceram. Um de embolia pulmonar, outro de insuficiência respiratória, e o terceiro por falência múltipla de órgãos. No grupo de comparação, foram sete óbitos: três por insuficiência respiratória, três por falência múltipla de órgãos e um por embolia pulmonar.

Em um comentário vinculado ao estudo e também publicado na The Lancet, Scott Canna (que não participou da pesquisa), do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, diz: “Em vista da plausibilidade biológica do anakinra, o perfil farmacocinético e de segurança do medicamento, além de um crescente corpo de experiências positivas sobre o controle da tempestade de citocinas, esses dados são promissores e apoiam a priorização dessa abordagem no planejamento e registro de ensaios clínicos randomizados.”

A coautora da pesquisa italiana Chiara Tassan Din ressaltou, em nota, a necessidade de investir em tratamentos que reduzam a inflamação dos pacientes. “Enquanto grande atenção tem sido focalizada, até agora, no controle viral, o controle da inflamação também é crucial para o tratamento da covid-19. Isso parece ter nos permitido adiar ou evitar a intubação na maioria dos pacientes. Com base em nossos resultados promissores, essa abordagem pode ser considerada viável e deve ser confirmada em ensaios controlados”, disse a infectologista.

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